Bandarra
(profecias de)
Gonçalo
Anes Bandarra era um sapateiro e poeta popular, nascido em vila de
Trancoso pelos anos de 1500, celebérrimo pelas suas trovas proféticas
que de século para século voltavam à discussão sempre que as
desgraças públicas faziam surgir nas almas a ideia messiânica de
um salvador.
As
suas trovas foram pelas primeira vez impressas em 1603, em Paris,
com o título “Parafrase” e concordância de algumas profecias
do Bandarra, sapateiro de Trancoso. Cerca de 40 anos depois,
em 1644, é publicada uma segunda edição destas profecias, mais
completa, com o título de Trovas do Bandarra apuradas e impressas
por ordem dum grande senhor de Portugal, oferecidas aos verdadeiros
portugueses, devotos do Encoberto. A 3 de Novembro de 1661, a
Inquisição proibiu a sua circulação, acto que um século depois
foi renovado mandando a Inquisição recolher todos os exemplares
impressos ou manuscritos das Trovas. A proibição deu, como sempre,
nova aura ao livro e as cópias, multiplicaram-se nas mãos dos
sebastianistas, elevando a obra do profeta de Trancoso à altura de
livro sagrado da fé no encoberto.
Em
1809 nova edição apareceu, aumentada com trovas até então inéditas
e intitulada de Trovas do Bandarra, natural da vila de Trancoso,
apuradas e impressas por ordem dum grande senhor de Portugal e
oferecida aos verdadeiros portugueses devotos do Encoberto — nova
edição a que se juntam mais algumas até ao presente nunca
impressas.
Na
sua edição do dia 27 de Julho de 1952, o Jornal da Madeira publica
sob o título de Uma Aventura Inédita, um texto contendo um
acontecimento registado cerca de 60 anos antes, ou seja, por volta
de 1892, que por ser curioso, aqui o inserimos, como documento sobre
o bandarrismo presente no concelho de Câmara de Lobos.
Bandarra!
A sua fama é mundial; em todos os domínios do Império Lusitano,
até na freguesia do Curral das Freiras, consegue admiradores e
sequazes.
Entre
muitos, vamos narrar um facto muito curioso ocorrido por volta de
1892 e protagonizado por seis ou sete indivíduos .
[...]
Três paroquianos do Estreito de Câmara de Lobos [...]
e os restantes do Curral das Freiras [...]
pretenderam descobrir, nesta freguesia, um riquíssimo tesouro que a
todos faria felizes.
A
iniciativa, para honra dos curraleiros, partiu do Estreito. Os
anonimamente mencionados leram nas profecias de Bandarra que perto
da Ribeira dos Socorridos, em frente da Boca dos Namorados, havia
sido enterrado um cofre com fabulosos valores.
Pensaram,
tornaram a pensar, e por fim bateram as palmas de contentes e
decidiram a pesquisa.
As
religiosas de Santa Clara, que em tempos remotos, possuíam
riquezas, pois eram descendentes de nobres e abastadas famílias,
haviam fugido para o Curral das Freiras de que eram proprietárias,
quando o Funchal foi invadido por Corsários, em 1566.
Fugiram,
levando consigo, jóias e dinheiro, e ficaram algum tempo nesta
freguesia, mandaram construir um Santuário dedicado a Santo António,
no sítio da Capela.
O
Santuário hoje em completa ruína, ficava em frente da Boca dos
Namorados e a pouca distância da Ribeira dos Socorridos.
Os
bandarristas do Estreito concluíram: as freiras, regressando ao convento
de Santa Clara, temeram nova invasão e deixaram as suas jóias e
dinheiro escondidas no Curral e, com certeza, na capela de S. António.
Era
indispensável interessar na empresa entidades do Curral das
Freiras, porque, de outro modo, a exploração poderia redundar num
formidável fracasso.
Morava
nesta paróquia um sujeito oriundo do Estreito
que andara alguns anos pelo Brasil
e aqui veio fixar residência numa propriedade adquirida por
compra.
Não
foi difícil conseguir o apoio e colaboração do regedor daquele
tempo, pessoa preponderante e respeitada; apesar de inteligente e
nada supersticioso, deixou-se ir no bote.
Houve
reuniões preparatórias, determinou-se o grande dia e no
entretanto, os interessados do Curral das Freiras faziam de polícias
nocturnos, não acontecesse que outros espertos se adiantassem e...
No
dia aprazado, a altas horas da noite chegaram os do Estreito. O
plano havia sido maduramente estudado e em todos havia grande
nervosismo na expectativa da sorte grande.
Uma
das precauções consistia em irem munidos de moedas de cruz, em
prata, que seriam atiradas para junto do suposto cofre a fim de que
se não convertessem em pó as riquezas entesouradas.
Era
uma noite de Abril; a lua cheia não deixava um cantinho escuro;
havia em todos um misto de alegria a pavor.
O
regedor, o elemento mais importante, adoecera à última hora,
circunstância que deu ensejo a que o autor desta narrativa tivesse
conhecimento da aventura. A doença foi providencial, porque o êxito
da empresa redundaria
em desprestígio da autoridade.
Passava
de uma hora depois da meia noite quando o grupo chegou às ruínas
da capela de Santo António.
O
momento era solene. Ninguém usava falar; a própria respiração
era abafada. A lua desenhava aqui e além, figuras fantásticas;
todos apalpavam os bolsos para se certificarem de que tinham as
moedas de cruz.
Começaram
as escavações no interior das ruínas da capela. Os badarristas do
Estreito, munidos de pás e de enxadas, cavavam como leões, a cerca
de um metro de profundidade.
De
repente, um dos cabouqueiros descobriu um vácuo. Trémulo de comoção
e pavor fez sinal aos outros que se aproximaram e, apressadamente
atiraram para dentro do buraco as moedas de cruz. A lua não
iluminava a tenebrosa cova onde havia receio de penetrar.
Mais
audacioso, um dos adventistas do Estreito de Câmara de Lobos,
estendeu-se, como cão de caça, pela cova dentro e agarrou,
nervoso, alguma coisa que corajosamente puxou para fora, dizendo
baixinho, em tom misterioso: Cá está.
Que
macabro tesouro! Ao clarão da lua apareceram um crânio, fémures,
tíbias e outras ossadas, restos mortais de seres humanos, que as
profecias do Bandarra conseguem arrancar ao sepulcral repouso e que,
mais tarde, foram para ao cemitério.
No
dia seguinte, naquela localidade, não se falava de outro assunto.
Milagre,
diziam uns. Santo António quer que lhe restauremos a capela,
exclamavam outros.
Entretanto
os bandarristas do Estreito recolhiam a penates, maldizendo o seu
profeta e os colaboradores do Curral quedavam silenciosos,
espantados por haverem caído no embuste.
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