Em tempos que a memória
do povo já esqueceu, viveu em Câmara de Lobos, mais precisamente
no convento de São Bernardino, um frade franciscano, a que as gentes
da Madeira se habituaram a chamar de Santo Servo de Deus.
Trata-se de frei Pedra
da Guarda, natural da Guarda, onde nasceu no ano de 1435, mas que, segundo
se diz, cansado da notoriedade e aplauso que a sua santidade provocava,
junto da população da localidade onde professava, decidiu,
em 1485 vir para a Madeira onde se fixou no pequeno ermitério de
São Bernardino, em Câmara de Lobos e onde morreu aos 70 anos
de idade, a 27 de Julho de 1505.
Segundo diz a tradição
e alguns escritos, nos 20 anos em que viveu na Madeira, terá escolhido
a tarefa de cozinheiro por ser a mais humilde e áspera, mas apesar
de fazer o comer para os outros frades, nada reservava para si. Só
nos dias de festa comia migalhas de pão e os sobejos de peixe que
os demais religiosos deixavam.
O resto do tempo jejuava
ou comia alguns frutos silvestres.
As ofertas que lhe levavam
os pescadores da freguesia, entregava-as todas para o convento ou repartia
com algum pobre.
Dizia-se também,
a propósito da sua actividade de cozinheiro, que apesar de trabalhar
nesse ofício, quase nunca era o Santo Servo de Deus quem fazia o
comer ou lavava as panelas.
Com efeito refugiando-se,
horas perdidas, no seu inóspito local de oração, esquecia-se
muitas vezes esquecia-se das suas responsabilidades e eram os anjos que
vindos do céu desempenham a obrigação que lhe estava
destinada.
Quando rezava, os outros
frades às vezes iam espreitá-lo e não raras vezes
o viam erguido do chão, suspenso no ar.
Dizem também que
tinha dons de profecia e tinha um completo domínio sobres as aves
do ar e os bichinhos da terra, obedecendo todos à sua voz.
Tinha também dons
milagreiros, tendo curado muitos enfermos, estando descritos à altura
da sua morte mais de 600 milagres.
Conta-se que não
havendo no convento de São Bernardino fatia de pão e tendo
os mendigos batido à sua porta, em busca de alimento, Frei Pedro
da Guarda, presenciando a tristeza do Guardião do convento em não
lhes poder matar a fome, pede-lhe licença para ir à dispensa
ver se nela encontrava socorro, à mesma dispensa que, poucos minutos
antes o guardião, na procura do mesmo socorro a fora encontrar vazia..
Contudo, consciente dos
dons de Frei Pedro da Guarda, o Guardião deu-lhe licença
e, eis que o milagre aconteceu e Frei Pedro da Guarda trás um saco
de pão, em quantidade mais do que suficiente para alimentar os mendigos.
Ao ver chegar a sua morte
despediu-se dos restantes frades e no seu leito aguardou serenamente o
momento, que seria assinalado com o ruído ensurdecedor dos sinos
do convento, sem quem alguém os tivesse a tocar. Perante este fenómeno
acudiram os frades ao seu leito, onde o encontraram defunto.
Perante a notícia
da sua morte, muitas foram as pessoas que o foram venerar, veneração
que se manteve ao longo dos anos, transformando-se o convento de São
Bernardino num importante centro de romagens aonde afluíam pessoas
de toda a ilha, na procura de cura para os seus males ou agradecendo graças
recebidas e poucos eram aqueles que não levavam um pouco da terra
da sua sepultura que se dizia ter também dons de milagre
Contudo, ainda que tivesse
fama de santo e de ter havido vários processos conducentes à
sua canonização, nenhum deles haveria de chegar ao fim.
Por outro lado, em 1835,
o seu culto viria a sofrer um grande revés com a sua proibição
e queima pública de todos os seus objectos de culto.
Ainda que este facto teve
por consequência uma diminuição assinalável
na sua devoção é curioso que, ainda hoje, a igreja
lhe presta honras de santo, nomeadamente na paróquia de Santa Cecília,
em Câmara de Lobos, com sede no antigo convento de São Bernardino
onde, anualmente tem direito a uma importante solenidade, em sua honra
e onde pode ser observado o lugar atribuído ao seu túmulo
e a furna onde se diz que passava a maior parte do tempo a orar.